ANGEL BOJADJIEV
( BRASIL – SÃO PAULO )
Nasceu em 1956 em São Paulo.
Passou alguns anos estudando História e explorando metrópoles.
Trabalhou como tradutor, barman, recepcionista de hotel, professor de línguas, roteirista.
Divide seu tempo entre São Paulo e Berlim.
B0JADJIEV, Angel. METROPOLITANOS. Gravuras de KURT BIELECKI. São Paulo: MASSAO OHNO EDITOR, 1987. S.p.
Ex. biblioteca de Antonio Miranda
nada mais que um retrato
muros pichados de giz e tinta
gritam tenazes as agonias deste mundo
degraus maciços cobertos de urina e vômito
improvisam um derradeiro abrigo a muitos
doentes mendigos leprosos inválidos
cegos menores abandonados fugitivos
traficantes desempregados gigolôs
judeus acorrendo à sinagoga num passo furtivo
pares namorando um amor solitário
sósias monótonas de outros tantos pares
agarrando-se pela cintura
ao navio naufragante de relações oblíquasnos bares encalham ofegantes
e através de louros copos de cerveja
a cobrir-lhes os narizes dialogam
balouçam nas mesas-âncoras
temem ameaças de rompimento
da corda do laço que lhes trava os corações
sob a valsa de desorientados garçons em preto-e-branco
cujas borboletas fincadas na garganta
parecem atravessar milalmas
e que eles não conseguem engolir nem jogar fora
o estado das coisas
“Ele tinha pressa. Abriu o gás.”
título na Tribuna da Imprensa,
13 de maio 1985, em página
dedicada a Torquanto Neto
quando ao dobrar a esquina sabe-se
não há esperança e os lobos à espreita
aguardam com olhos de avidez malcontida
o orgia fúnebre de sua rapina aniquiladora
penetra a alma fúria ardente
e exala incendiários pensamentos
de flagelação em sussurrante agonia
de clamores afogados
___
agora já que não tenho mais di-
reito a ilusões percorro murcho
de minhas utopias este mundo
vândalo de idéias em farrapos.
não se reveste mais de veludo o
esqueleto de nossos sonhos
maltrapilhos que duravam o
tempo de uma festa apaixona-
da. as arestas ainda cotucam
mas não penetram mais nossas
carcaças roídas por vento de
alabastro.
episódio efêmero
De batalhas cruzadas imortíferas
carregávamos rente ao firmamento
baús de ouro repletos de nossos eus moribundos
marsupiais sambando
um Debussy tocado em sânscrito
num rádio de zinco
girando num toda-disco com tripé de couro
Esbanjávamos frustrações fedendo a fezes
e arrotávamos vaginas inconformadas
que tínhamos esquecido nos taxis
do vale do Marne
e depois recuperado
nas barricadas meia-oito
aos tambores de Sartre
que corria tropeçando atrás de Átila o Huno
com uma bandeja de marfim esculpido
cheia de hóstias alucinógenas
e este as repelia dizendo
ter de alcançar
o fiacre das seis e meia
pois Simone o estava esperando
para a sessão das oito.
fraqueza
o homem, esta triste criatura
por vezes até bem intencionada,
costuma naufragar,
talvez por mera questão de passar o tempo,
aquém de suas próprias promessas.
assim, na tão necessária.... arte
de adornar de governantes,
quem quiser uma política conservadora
deve escolher liberais
quem quiser uma política liberal
de apoias socialistas
quem quiser uma política socialista
de apostar em revolucionários
quem quiser uma política revolucionária
deve escolher a própria avó
ou, na falta dela, a si mesmo, que terá
uma política do nada
que sempre será melhor do que
nada.
fraude!
senhores
nos tempos em que às cegas apalpávamos novos horizontes
e até sangrarem as mãos arranhávamos novos tempos
— ah! a velha luta de encurralar opressores até que partissem —
admirava-os
depois quando passastes a pensar certos o outros errado
ainda respeitava-os
mas mais tarde vim a querer vos expropriar
pois vos tornaste proprietários
não de um terreno
não de uma companhia
que indulgentes até deixávamos passar
vos tornastes
proprietários
da revolução
à força de milícias e canhões
de nosso único bem nos expropriastes
para novamente brincar de mais valia e capital
senhores de partido, partam!
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Página publicada em maio de 2024
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